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Herman José

Herman José

Um Minuto de Silêncio - Texto Completo do Herman!

Joana, 23.04.07
Fecho os olhos e deixo-me levar. Os primeiros pingos de Vallium entram-me na veia suavemente por um cateter plantado nas costas da mão direita, e num repente todo o pânico transforma-se em paz, serenidade, e perversa sensação de prazer. Estou a meio de uma angioplastia. Muitos anos de fumo de charuto, exageros alimentares e uma incontornável propensão genética levaram a coronária esquerda a entupir quase a 100%.
Em poucos minutos, vou-me então afastando da competente equipa que me prepara a intervenção, e a dado momento mágico, instala-se o silêncio. Um profundo e dourado silêncio. Um minuto de silêncio foi o que me pareceu. Dizem-me que na verdade durou quase uma hora.
Um silêncio sinónimo de descanso, de ausência de panicos e angústias, de medos, de dores. Um silêncio/mergulho num buraco fresco de felicidade absoluta. Se o meu mundo acabasse naquele momento, se a eternidade fosse aquela total ausência de ruídos, então que viesse a "minha Senhora Dona Morte" para ver se eu me ralava.
O que me rala sim – e muito – é ser-me negado por uma civilização (ainda) mediaval e teocrática, o direito livre à eutanásia. Incondicional. Assim que eu quisesse, e me apetecesse. Tal como José Gomes Ferreira, também acho que “devia morrer-se de outra maneira”. Só que não me basta “transformar-me em fumo, por exemplo. Ou em nuvens”. O que eu sonho mesmo é vir a ter o direito absoluto e inalienável ao meu minuto de silêncio.

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